A metáfora do escritório

A metáfora do escritório

Usar um computador nem sempre foi uma tarefa fácil — não que hoje o seja. Computadores eram telas pretas com letras verdes. Máquinas que executavam uma única tarefa por vez a partir da entrada de comandos no terminal. Comandos esses difíceis de serem decorados e quase impossíveis de serem deduzidos.

Por volta de 1960, computadores começavam a ganhar alguma popularidade fora das empresas, principalmente entre grupos de hobbistas. Pessoas essas que gastavam um bom tempo lendo grossos manuais para só então serem capaz de interagir com um computador. Toda essa complexidade assustava a maioria das pessoas e era, obviamente, um grande empecilho para a popularização destas fantásticas máquinas.

Era necessário uma mudança radical no modo de interagir com um computador. Algo mais visual, mais próximo da realidade de um ser humano e mais distante da realidade baixo nível de uma máquina. Porém, a tecnologia necessária simplesmente não existia para tal quebra de paradigma.

A Mãe de Todos os Demos

Na ciência estamos sempre nos apoiando em ombros de gigantes. Com a invenção da Interface Gráfica não foi diferente. Não houve de fato um inventor, mas sim uma série de melhorias que foram feitas em cima da geração anterior.

Um dos primeiros teóricos sobre o assunto foi Vannevar Bush, engenheiro americano chefe do escritório Office of Scientific Research and Development durante a segunda guerra mundial que, em 1945, publicou um artigo com o título “As We May Think” descrevendo sua visão do futuro de como usaríamos máquinas — chamadas por ele de Memex — para acessar um vasto conjunto de dados ligados entre si (linked data).

Este artigo serviu de inspiração para Douglas Engelbart. Durante sua estadia na faculdade de Stanford, no Vale do Silício, ele formou o Augmentation Research Center e lá concebeu algumas das invenções bases para a GUI ser o que é hoje. Entre essas invenções estava o mouse, um dispositivo que permitia mover um ponteiro através da tela e manipular informação de uma maneira mais flexível e natural.

The digital revolution is far more significantthan the invention of writing or even of printing — Douglas Engelbart

Em dezembro de 1968, em San Francisco, Douglas Engelbart demonstrara todas as novas invenções feitas por sua equipe. Entre essas invenções estava o já citado mouse e também o conceito de janelas, hipertexto, gráficos, vídeo conferência, processador de texto, controle de versão e um editor de texto colaborativo. Essa apresentação foi — e é — um marco na história da computação, e ficou conhecida como A Mãe de Todos os Demos, a demonstração mais fantástica e à frente de seu tempo da área. Ela pode ser — e deveria ser — vista completa aqui.

PARC

A próxima onda de inovação no campo das Interfaces Gráficas do Usuário aconteceria em Palo Alto, no lendário laboratório PARC (Palo Alto Research Center) da Xerox, onde, em 1970, boa parte da equipe de Engelbart foi trabalhar. Lá refinaram suas ideias e inclusive conseguiram implementar e comercializar estas novas ideias, em 1981, com o computador Xerox Star.

Xerox Alto

O Xerox Star foi o primeiro computador comercial a vir com uma interface gráfica do usuário baseada em janelas (windows), ícones, pastas, um mouse, rede ethernet, servidor de arquivos, servidor de impressão e e-mail.

Ele foi, também, o primeiro computador a empregar a técnica de bit mapping. Em essência, tudo na tela do Xerox Star era uma imagem. A técnica de bit mapping tornou mais simples o ato de se trabalhar com gráficos e também permitiu que o computador apresentasse na tela uma exata representação do que seria impresso. O que ficou conhecido como WYSIWYG (What You See Is What You Get).

Muitos creditam a invenção das interfaces gráficas como conhecemos hoje ao PARC. Lá, eles não só criaram (refinaram) a GUI, como também inventaram a programação orientada a objetos — com a linguagem Smalltalk — o design pattern  MVC, a impressora a laser, o ethernet, editores de texto WYSIWYG e tantas outras.

Os cientistas do PARC definiram a base da Interface Gráfica do Usuário como sendo o WIMP, sigla para Windows, Icons, Menu and Pointer Device. Até hoje, a maioria dos sistemas desktops, entre eles Windows, OS X, Gnome, KDE, utilizam essa base.

The best way to predict the future is to invent it — Alan Kay

Em cima desses elementos básicos, foi criada a Metáfora do Escritório. Os cientistas do PARC, principalmente Alan Kay, decidiram usar metáforas a tarefas comuns em um escritório para diminuir a curva de aprendizado de uso de um computador.

A metáfora

A primeira Graphical User Interface, ou GUI, era uma metáfora a um ambiente de escritório. O desktop, ou área de trabalho, representava uma mesa de escritório. Em cima dela tínhamos papéis, que eram arquivos do computador.

Estes mesmos arquivos podiam ser agrupados em pastas, assim como papéis são organizados em pastas nos escritórios. Os arquivos poderiam ser jogados em uma lixeira, tal qual, também, é feito em um escritório. Estes arquivos poderiam, inclusive, serem resgatados da lixeira, do mesmo modo que podemos fazer com um papel amassado jogado no lixo.

Além da metáfora do escritório, foi desenvolvido o conceito de janelas. Cada janela representaria um aplicativo aberto. Cada aplicativo aberto seria o equivalente a um papel em uma mesa. Nele o trabalho aconteceria.

A Apple foi uma das grandes responsáveis pela popularização da GUI. Steve Jobs em uma visita ao Xerox PARC conheceu a GUI, e logo percebeu que aquilo era o futuro. A Xerox estava com problemas para vender o Xerox Alto, o único computador que até então rodava com uma GUI. Jobs então fez uma proposta a Xerox para comprar a GUI, e implementar no que viria a ser o Apple Lisa.

No vídeo abaixo temos uma propaganda de televisão da Apple, anunciando seu novo computador e a sua GUI com a metáfora do escritório como sendo um diferencial entre outros produtos da época, devido a sua facilidade de uso. Perceba como o ator usa o seu dedo como ponteiro, simulando um mouse, apontando para objetos que o Mac simula em sua interface, como papéis, pastas e calculadora.

Praticamente todos os sistemas operacionais que adotaram uma interface gráfica utilizaram ou utilizam a metáfora do escritório. Alguns mais puristas em relação a própria metáfora, outros mais práticos.

O BeOS, por exemplo, mostrava um ícone de dispositivos externos conectados no desktop, enquanto que dispositivos internos eram acessados através do ícone do computador, para ser mais fiel a metáfora.

Uma das implementações mais fiéis à metáfora em si veio em 2010 com o BumpTop. A ideia da interface do BumpTop era de simular de forma mais real uma mesa de trabalho de escritório. Nele, os documentos são pequenos objetos 3D que podem ser empilhados, manipulados usando gestos e, inclusive, jogados de um lado para o outro utilizando leis físicas para uma experiência mais realista.

Infelizmente, o produto BumpTop foi descontinuado logo após a empresa ter sido comprada pelo Google.

Impactos

A Metáfora do Desktop desenvolvida pela equipe de Alan Kay é até hoje usada em todos os grandes sistemas operacionais de desktop. Ela foi um importante passo para que computadores ganhassem a popularidade que hoje possuem. Tornou possível o uso de computadores por pessoas não técnicas e abriu diferentes possibilidades na criação de programas de computadores, já que não estávamos mais limitados a uma interface de linha de comando.

Ela é hoje tão popular que, para muitos, superou sua “inspiração”. Quando falamos de pastas ou arquivos, logo nos vem a cabeça não mais pastas e vários papéis, mas sim arquivos e pastas em um computador. O próprio nome desktop é, hoje, mais relacionado a sua área de trabalho no computador do que a sua mesa de trabalho em um escritório.

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