Em JavaScript o ;
é um delimitador de statements, expressões e construtores, assim como em outras linguagens sintaticamente similares a C. Nele (JavaScript), o ;
tem uma função similar ao \n
(quebrar linha) em linguagens que são white-space significant, como Ruby e Python.
Porém, em JavaScript, temos o ASI — querido por uns, odiado por outros. Ele é o responsável por inserir automaticamente ;
em determinadas situações. E é aqui que mora o terror. Alguns programadores, como o @fat — co-criador do Bootstrap — e o @izs — maintainer do Node.js e criador do npm — preferem por não usar (ou evitar ao máximo) ;
. Já outros dizem que este não é um caminho seguro.
A grande polêmica
Uma das mais polêmicas discussões no GitHub se deu acerca da omissão do ;
no código do Bootstrap. Como o código do Bootstrap não utiliza ;
, era gerado um erro quando era minificado pelo JSMin, escrito por Crockford. @fat disse que o problema não estava no código e que, na verdade, isto era um bug do JSMin. @douglascrockford rebate dizendo que o código é estupido e que não iria “emburrecer” o JSMin para que gerasse um código válido para este caso.
Essa homérica discussão se alongou durante meses, tendo quase 300 replies até o momento (dentre eles, vários memes). Mas, afinal, quem é o vilão dessa novela mexicana?
Vamos voltar ao básico e entender as regras do ASI para termos uma opinião mais embasada a respeito do polêmico assunto.
A regra é clara
Como dissemos antes, o ;
serve como um delimitador de statements. Mas devido ao ASI, o \n
também irá funcionar como delimitador de statement, exceto nos seguintes casos:
- O statement possui um parêntese, array literal ou objeto literal não fechado ou acaba de qualquer outra forma a qual não seja um modo válido de finalizar um statement.
- A linha inteira é um
--
ou++
(neste caso, irá incrementar/decrementar o próximo token) - É um
for()
,while()
,do
,if()
ouelse
e não existe{
- A próxima linha começa com
[
,(
,+
,-
,*
,/
,,
,.
, ou qualquer outro operador binário que só pode ser encontrado entre dois tokens em uma única expressão.
Vamos analisar caso a caso.
1º caso
Este caso é bastante óbvio. Caso a linha acabe sem fechar parêntesis ou chaves ou caso acabe de uma forma que não faça sentindo, o ASI não irá inserir automaticamente um ;
.
// A.S.I. não será disparado, pois a linha acaba como um statement não válido
var a = 1,
b = 2,
c = 3;
// A.S.I. não será disparado, pois a linha acaba com um parênteses não fechado
(new
Date).getTime()
É, inclusive, uma prática bem comum — até mesmo dentre os que utilizam ;
— de acabar linhas em determinadas situações sem ;
, como na declaração de várias variáveis acima com apenas um var
.
2º caso
Este caso é um pouco bizarro e este tipo de código só é visto neste tipo de discussão.
// este trecho de código
i
++
j
// é equivalente ao código abaixo
i;
++j;
Percebam que se um incrementador/decrementador ocupa toda uma linha (o que não faz o menor sentido), ele não irá modificar a variável anterior, e sim a posterior. Funcionando, na prática, como um incrementador pré-fixo, e não pós-fixo.
3º caso
Este também é um caso de uso da ASI bem comum até entre os que costumam nunca omitir ;
. Caso a linha acabe com a definição de um bloco if
, else
, for
, while
ou do
e não haja {
no final da linha, o interpretador só irá terminar a declaração do bloco quando achar um outro bloco ou statement.
if (foo)
bar()
// o mesmo que
if (foo) {
bar();
}
4º caso
Este caso é a raiz de todo o mal. Vejam no exemplo abaixo:
foo()
[1, 2, 3].forEach(bar)
// o código acima é equivalente ao código abaixo
foo()[1, 2, 3].forEach(bar)
O perigo está onde as próximas linhas começam com [
ou (
, já que o interpretador pode juntar as duas linhas e fazer com que elas sejam parte de um único statement. Para quem não utiliza ponto-e-vírgula, é comum utilizar sempre um ;
no começo de linhas que precedem um [
ou (
e assim se prevenir.
Restricted productions
Existe mais uma regra sobre ASI na linguagem que cobre casos especiais. Esses são chamados de restricted productions. Esta regra fala que, caso exista um \n
logo após um return
, throw
, break
ou continue
, o statement sempre será finalizado, sem exceções.
Embora não muito comum em JavaScript, o continue
e break
podem vir acompanhados de um label, que indica para onde devemos “pular”. Caso você use labels em seus programas (e você não deveria), sempre os ponha na mesma linha que o continue
ou break
.
continue
foo
// é o mesmo que
continue;
foo;
// ----------
break
bar
// é o mesmo que
break;
bar;
Com o throw
acontece o mesmo. Caso tenhamos um throw
seguido por um \n
, o statement é logo finalizado. O que irá gerar um erro de sintaxe, pois um throw
sempre deve “lançar” alguma coisa (dã).
throw
new Error('Nooooo')
// é o mesmo que
throw;
new Error('Nooooo');
// irá gerar um erro de sintaxe, pois `throw` sempre deve "lançar" algo
Na prática, essa regra costuma causar mais confusão com return
, pois pode acarretar em alguns bugs não muito óbvios ao programador que desconhece a malícia do ASI.
function foo() {
// ...
return
'Uma string muito grande que não cabe na linha de cima'
}
// é o mesmo que
function foo() {
// ...
return;
'Uma string muito grande que não cabe na linha de cima';
}
Já que o return
interrompe a execução da função, acabamos ficando com código morto, que nunca será excutado. Este é, inclusive, um dos clássicos exemplos dos que defendem o uso de ;
.
Mythbuster
Agora que já conhecemos o ASI e suas regras, vamos quebrar alguns mitos em relação a omissão de ;
no código JavaScript.
Código com ;
é mais rápido
Com o ASI temos a noção de que toda vez que ele é disparado, o interpretador põe um ponto-e-vírgula e reavalia o código. Logo, faz sentido pensarmos que o código com ;
irá performar melhor, uma vez que no código sem ;
não existem essas pausas e reavaliação do código.
Such semicolons may always appear explicitly in the source text. For convenience, however, such semicolons may be omitted from the source text in certain situations. These situations are described by saying that semicolons are automatically inserted into the source code token stream in those situations.
Isso não é verdade, uma vez que os interpretadores modernos simplesmente acabam um statement quando o ASI entra em ação, sem precisar “inserir um ponto-e-vírgula”. O benchmark de velocidade de um código com ;
e do mesmo código sem ;
pode ser visto aqui (nos meus testes, o código sem ;
foi mais rápido).
ASI pode te surpreender
O ASI é um algoritmo determinístico, ou seja, para o mesmo input, o algoritmo sempre gerará o mesmo output. Então, se o ASI ainda o surpreende, melhor estudar como ele funciona.
I have learnedto use them, that’s why there isn’t one present. — @fat
Parafraseando o @izs: o ASI não é um algoritmo bem arquitetado, mas também não é um algoritmo difícil de entender.
Strict mode irá reclamar da falta de ;
Outra lenda. Mesmo o strict mode, o modo mais xiita de se escrever JS (apesar de não ser nada perto do crockford mode), não irá reclamar da ausência de ;
no seu código.
O famigerado exemplo do return
O clássico exemplo dos que querem converter os programadores pagãos que não usam ;
. É o mesmo exemplo citado acima, nas restricted productions.
function foo() {
return
'lorem ipsum'
}
// o mesmo que
function foo() {
return;
'lorem ipsum';
}
Mas vejam que, nesse caso, o problema não está na falta de ponto-e-vírgula, mas, sim, no excesso de \n
. Mesmo pondo ;
, iremos obter o mesmo resultado.
Afinal, é seguro?
Sim, é seguro, uma vez que você entende como funciona o ASI. Mas se, mesmo depois de todo esse papo sobre a importância de aprender e dominar como funciona o ASI, você está com preguiça de usar ;
e quer fazer parte da “vanguarda” do JavaScript, siga a regra de ouro: Sempre utilize ;
antes de (
ou [
. Assim você estará seguro e seu código continua hipster.
Yes, it's all FUD. In my own code, I don't use semicolons except in a few specific instances, and then as a prefix or separator. They're actually not terminators in the JavaScript language, and I think it's silly to treat them as such. In fact, I'd go so far as to say that my style is *less* error- prone, because forgotten semicolons are so much more immediately apparent (since they come at the start of the lines where they are relevant.)
Provavelmente, entre os que não utilizam ;
(como eu), o estilo de código do Isaacs Schlueter seja o mais popular. Caso você sonhe em nunca mais usar ;
e agora achou uma razão para tal, vale a pena dar uma lida no coding style do npm.
Bom senso. Sempre
Apesar de seguro programarmos em JS sem ;
, devemos ter bom senso. Muitas pessoas não se sentem confortáveis programando dessa forma, e sua escolha de não usar ;
em seu projeto open source pode ter um impacto em como seus contribuidores se sentirão.
Da mesma forma, eu acho um pouco estúpido usar calça quando está quente. Todos sabem que é mais comfortável não usá-las, e é apenas um costume social idiota que nos deixam enjaulados nesses pedaços de roupa apertados durante todo o dia. Na minha casa, eu estou geralmente sem calça. Mas quando vou visitar a casa de um amigo, eu ponho minhas calças, porque este é o costume, e é assim que eles gostam. (A não ser que eles também estejam OK em estarem sem calças, e então é a festa do "roupa de baixo".) A questão é, eu não ponho ponto-e-vírgula no código do npm, mas eu os ponho no código do node.js. Porque Ryan Dahl usa calças, e o node.js é a sua casa. Em sua própria casa, você decide os estilos e costumes. Mas tenha cuidado, pois isso pode ter um efeito em quem irá se sentir confortável em suas festas.
Na sua casa, você define os costumes. Na casa alheia, você os respeita. Usar ou não ;
é apenas uma decisão estética. Ambos modos são seguros. É puro bikeshedding. E o resultado final será o mesmo, uma vez que o código que irá para produção será a versão minificada.
Até mais;